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Entre a Técnica e o Cuidado: Um Convite à Prática Reflexiva na Psicologia

Os modelos teóricos da psicologia, por mais consolidados que sejam, também carregam marcas de preconceitos, paradigmas e vieses que, durante muito tempo, foram naturalizados nas práticas da área.

Este texto é um convite sincero e necessário, para que você, profissional da psicologia, olhe com mais criticidade para o que aprendeu. Que questione, que reflita, e que se permita abandonar uma postura passiva diante dos saberes prontos.

A proposta aqui é simples, mas potente: desenvolver um olhar mais responsável e alinhado aos seus valores éticos, aplicando e adaptando os métodos com autonomia, coerência e presença.

 

1. O Lugar do Saber na Psicologia

Muitos modelos teóricos ainda são ensinados como verdades absolutas, e o problema não está nos modelos em si, mas na forma como, muitas vezes, não são questionados.

Quando isso acontece, formam-se profissionais que aplicam técnicas de forma automática, sem refletir para quem estão aplicando, por quê e com quais impactos.

A formação em psicologia precisa ir além do acúmulo de teorias. É fundamental desenvolver um olhar crítico, que confronte o saber com a realidade social, clínica e com os valores de quem está ali, no encontro com o outro.

 

2. Que Verdades são Construídas Quando Definimos o que é Normal? 

Muitos sofrimentos que chegam ao consultório não são apenas individuais são respostas a discursos sociais opressores, muitas vezes invisibilizados. Quando teorias definem “normalidade” com base em padrões eurocêntricos, patriarcais ou heteronormativos, acabam por excluir o que é diverso, plural e vivo.

É importante lembrar: modelos teóricos não são neutros. Toda teoria carrega os traços do tempo e da cultura em que foi construída. A ideia de uma ciência neutra é confortável, mas ilusória. O conhecimento, na psicologia, também é atravessado por valores e é justamente por isso que o profissional precisa refletir profundamente sobre as escolhas que faz em sua prática.

Aplicar uma técnica de forma automática pode calar aquilo que é mais singular no outro. Por isso, escuta, contexto e relação não podem ser deixados de lado. A técnica não precisa ser descartada, mas sim reposicionada: a serviço do encontro, da escuta ética e do cuidado.

3. Torne-se Autor da Própria Prática

Atuar com responsabilidade é, antes de tudo, fazer perguntas. Por que escolho essa teoria? Que efeitos ela produz? Quem ela silencia? Toda escolha na clínica tem impacto — validar um saber é, muitas vezes, apagar outro. Por isso, intervisão (supervisão clínica), terapia pessoal e formação contínua não são rituais vazios: ganham força quando sustentadas por uma postura crítica, cuidadosa e ética.

A clínica não é um lugar neutro. É um espaço de encontros, atravessamentos e poder. E é essencial estar atento à forma como esse poder se manifesta e é exercido. O convite é simples, mas transformador: não apenas repita métodos — seja autor das suas escolhas clínicas. Questione, adapte, posicione-se.

A psicologia só se faz viva quando é pensada, sentida e exercida com consciência crítica.
Como nos lembra Mary Jane Spink: “um diálogo nunca termina, pode apenas ser interrompido.” 

Que esse siga aberto.

Abraços, Sueli Marino

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